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Barragem
do rio Tremedal, que abasteceu Montes Azul, secou após 21 anos |
(G1) Construída em 1986, a barragem do Rio Tremedal abasteceu o
município de Monte Azul por mais de 21 anos. Porém, em fevereiro de 2013, a
água desapareceu. A barragem abastecia a cidade e a zona rural, que agora
dependem totalmente de caminhões-pipa. Dos 23 mil habitantes, cerca de 26% dos
moradores já abandonaram a cidade em busca de melhores condições de vida.
Nesta 4ª reportagem da série “Vidas Áridas na Estrada”, a expedição
esteve no município do extremo Norte de Minas Gerais, juntamente com os
parceiros técnicos, para avaliar e diagnosticar os efeitos provocados pela seca
que atinge o sertão norte-mineiro. Cerca de 2 mil quilômetros já percorridos
pela caravana.
O superintendente regional da Copasa Daniel Antunes esteve no local a
convite da expedição e afirmou que a companhia pode assumir o controle da
barragem do Rio Tremedal, como resposta a uma das demandas do Vidas Áridas.
“A barragem foi construída pelo Departamento Nacional de Obras Contra a
Seca (Dnocs), que pode transferir o controle para Copasa. Se assumirmos,
pretendemos fazer um plano de manejo, evitando novos assoreamentos, construindo
barragens de pedras, que impeçam a entrada de areia, enfim, fazendo toda
segurança para que a barragem não sofra uma nova deterioração com o passar dos
anos, e que água da chuva seja devidamente captada e fique no barramento”, diz.
Para o superintendente, a iniciativa do projeto Vidas Áridas contribui
para que poder público interfira e faça mudanças representativas para a
população. “O projeto vai onde as coisas acontecem, mostrando à população as
mazelas e buscando iniciativas positivas que precisam ser tomadas. O Vidas
Áridas hoje é um guardião da sociedade, existe para proteger os interesses da
população”, completa.
Crise econômica
Os prejuízos causados pela seca em Monte Azul vão além da paisagem
ressecada e do evidente processo de desertificação. O município, que depende
100% do abastecimento de carros-pipa, está vivendo um processo de êxodo.
Segundo o vice-prefeito Antônio Idalino Teixeira, cerca de seis mil
habitantes já deixaram a cidade desde o início de 2013; alguns foram trabalhar
na colheita do café no Sul de Minas, outros no corte de cana de açúcar no
interior de São Paulo. Ainda segundo Antônio Idalino, os jovens também estão
deixando suas famílias, em busca de melhores condições de vida em outros
estados. “O comércio local já demitiu 20% dos funcionários, e os que ficaram
dependem dos programas sociais e do seguro safra”, diz.
Na zona rural da Monte Azul, a situação diante de uma seca tão brutal,
ameaça ainda mais o sertanejo, que se vê impotente diante das suas próprias
limitações. Na comunidade de Limoeiro, o lavrador Delci Silveira Lins, de 61
anos, vive com a esposa e os quatro filhos e diz que não tem para onde ir.
“Nasci e fui criado aqui. Minha mãe foi criada aqui. Eu me imagino saindo para
o mundo, mas não resolve, sou analfabeto, tenho que ficar aqui”, conta.
Emocionado, o lavrador diz que a criação está morrendo, e que está
tirando da boca dos filhos para poder alimentar as poucas cabeças de gado que
restaram. Há menos de um ano, Delci possuía 20 animais no seu pequeno rebanho,
com a seca, 12 morreram.
“Compro um saco de 60 quilos de milho a R$ 44, e dou um pouquinho pra
cada animal, mas não é suficiente. Hoje mesmo perdi mais uma vaca, que foi no
alto do morro para caçar folha e acabou morrendo. Eu e minha família ficamos
até dez horas tentando salvar, mas não conseguimos”, diz.
Os animais mortos estão espalhados pela pequena propriedade de Delci, e
os vivos aguardam junto com o lavrador
por um milagre. “Nasceram dois bezerros há três dias, mas a mãe não dá
leite suficiente, porque também está fraca. Se não chover em 10 dias, ela
também vai morrer”, lamenta.
O extensionista da Emater Antônio Carlos Araújo comenta a tragédia do
pequeno produtor e acredita que sair da localidade não é a melhor opção para o
lavrador. “A pessoa tem toda sua vida construída na região, para ele é muito
difícil deixar suas raízes e partir para outras partes do país, porque ele
também vai encontrar dificuldades lá fora”, diz.
Segundo Antônio Carlos não chove em Monte Azul há aproximadamente 10
meses, o que representa uma perda na lavoura de cerca de 90%, além das
condições de pastagem ser zero. “Não existe nenhuma forma de oferecer pasto
para alimentar o rebanho. Quem pode comprar um milho, ou arrumar uma ração de
concentrado, vai salvaguardando o rebanho, mas se a chuva não chegar, não tem
jeito”, completa.
Para o coordenador da Defesa Civil da Amams Sergio Nassau a situação de
emergência do extremo Norte do estado requer um novo modo de convivência com as
seca. “Temos levado ao governo uma reivindicação para construção de barramentos
na região. Acreditamos que com recursos e estudos técnicos, voltados para
perenização de rios, vamos recuperar os rios do Norte de Minas e
Jequitinhonha”.
A escassez de recursos hídricos e extrema pobreza nos municípios do
Norte de Minas, por onde a expedição Vidas Áridas tem percorrido, é vivenciada
pelos moradores de todo município. A falta de água para consumo humano e dos
animais tem sido um desafio nas cidades e na zona rural.
A situação da região da Serra Geral é o retrato do que se passa em todo
Norte de Minas. De acordo com Geraldo Humberto, um dos responsáveis pelo
projeto, essa iniciativa popular tem unicamente o objetivo de chamar a atenção
do poder público para a crise que se instalou no semi-árido mineiro.
“Precisamos que os governantes se sensibilizem com a necessidade de intervenção
e mudanças no sertão. Nós pretendemos fazer desse movimento uma ação popular,
deixando a política de lado e agindo para dar uma condição digna de vida ao
sertanejo”, diz.